Por Ary Fernandes
A obsessão pela idéia superou os obstáculos, sem saber criou o maior fenômeno da televisão brasileira.
Eu, quando criança, via os seriados no cinema, devorava gibis e ficava pensando porque não existia um seriado brasileiro, um personagem genuinamente brasileiro. Os heróis eram todos norte-americanos, tipo Flash Gordon, Tarzan, Capitão América, O Sombra, Fantasma, etc.
Aquilo já me incomodava, mas nem imaginava que um dia eu faria um seriado brasileiro. Foi no ano de 1959, quando eu dirigia comerciais já recém saído dos Estúdios da Maristela,que a idéia de criar meu personagem começou a tomar forma.
Na história em quadrinho existia um herói que andava de motocicleta, um tipo de cowboy do asfalto chamado O Vingador. Eu achava ridículo, um cowboy de motocicleta.
Um dia, andando pela rua, vi um guarda rodoviário passar de motocicleta. Me informei e descobri que não era um guarda e sim um Inspetor Rodoviário (aí veio a ideia de criar o Inspetor Carlos). Começou a vir na minha mente a ideia de um herói brasileiro, um patrulheiro, mas sozinho não ia ficar bom, então pensei num cachorro, seu companheiro, um cachorro que andaria na moto, uma novidade, coisa inédita, que eu nunca tinha visto.
Passados alguns dias, a história já começava a fervilhar na minha cabeça. Relatei-a ao Palácios (meu amigo e sócio), que gostou da minha ideia e conjeturamos sobre o assunto. Lembrei então do Mário Costa, amigo que outrora havia sido proprietário de uma empresa de transportes, a Estrela do Sul.
Naquela época ele tinha uma loja de autopeças embaixo de nosso escritório. Fui falar com Mário e, tomando um cafezinho, relatei minha ideia. Ele ficou empolgado e me disse que conhecia pessoas na Força Pública, tinha contatos e que poderia ligar e propor uma reunião.
Eu disse: calma, é apenas uma ideia, não temos dinheiro e a coisa acabou ficando assim. Eu fiquei preocupado, com medo que ele falasse com alguém lá na polícia, eu não estava seguro, da ideia precisava ser maturada.
No dia seguinte o Mário me procurou e disse que havia falado com seu amigo, Altino Fernandes, que era Capitão da Força Pública e este já havia feito contato com seu amigo, Flávio Capeletti, subcomandante da Polícia Rodoviária e que havia adorado a ideia.
Mário me disse que já estava agendada uma reunião com o Capeletti na Rua Riachuelo, onde ficava a Secretaria de Viação e Obras Públicas e também o escritório da Polícia Rodoviária.
Não me intimidei, mas fui pensando no caminho: “Como vou sair dessa!” Fui até lá conversar com ele e começamos bem, pois descobri que ele era meu vizinho em Santana. Expliquei a ideia, do patrulheiro com o cachorro, salvando as pessoas de bandidos, o cachorro andando na moto, etc., e relatei também o que seria o piloto da série, toda na minha cabeça, o Diamante Gran Mogol, uma história policial que envolvia o roubo de um grande diamante, o maior do mundo.
Ele se dispôs a ajudar no que fosse possível, mas os recursos da Polícia Rodoviária na época eram precários, haja visto que a frota da rodoviária era composta de alguns jeeps e dois Ford, um 1949 e 1950.
Um pequeno parêntese: tanto o Capeletti quanto o Altino acabaram se tornando meus amigos.
Mais tarde, durante o seriado, Capeletti me confessou que quando eu fui falar com ele, existiam duas hipóteses: uma, a de eu ser louco e outra, a de eu estar anos à frente de minha época, que eu seria o responsável por realizar uma obra que ficaria marcada para sempre no Brasil.
Bem, no mesmo dia relatei o que havia acontecido ao Palácios e ele achou que eu estava louco, acabou me dando uma bronca. A impressão que dava é que o Palácios ainda não havia entrado no clima da idéia, não tinha comprado a ideia. Mas no fundo ele não estava errado, eu estava sonhando com uma coisa muito além da nossa realidade, das nossas posses.
Na Rua Pedroso, havia um amigo, um judeu, Jacob Mathor, um homem de posses, que tinha um estúdio que nós já usávamos para fazer comerciais. Contei a ele a ideia, tudo que havia acontecido com o pessoal da polícia, disse que estava chateado pelo fato de, de certa forma ter discutido com Palácios, mas aquela ideia não saía da minha cabeça, estava preocupado.
Aquilo estava começando a virar uma obsessão. Jacob ouviu tudo e ao final me disse: “Eu colaboro com quatro latas de mil pés de negativo 35 mm, cedo meu carro e meu estúdio para você usar como precisar”. E ele tinha um Chrysler, um carro de luxo na época. Os estúdios se chamavam Santa Mônica, em homenagem à sua filha. Na verdade, Jacob ficou comovido com minha empolgação.
Voltei a falar com Palácios. Sugeri ao Palácios que conversássemos com os técnicos da Maristela que ainda estavam desempregados e propuséssemos uma parceria, que todos pudessem trabalhar graciosamente para a realização do piloto.
Tínhamos uma câmera Arriflex 35 mm que havíamos comprado quando saímos da Maristela. Com essa câmera fazíamos os comerciais que davam nosso sustento naquele momento. Considerando que cada lata de negativo tem doze minutos, eu tinha quarenta e oito minutos de filmagem, para um episódio de 20 minutos, ou seja, não podia errar muito.
Sai a campo para procurar os técnicos e até meu pai se dispôs a ajudar, depois, durante as filmagens, ele comprava pão, frios, linguiças e fazia lanches para a equipe. O Hélio Menezes, já falecido, era dono de uma agência de figurantes, também veio ajudar.
Os atores eram quase todos amadores, figurantes. Hélio, que era gaúcho, um dia fez um arroz a carreteiro para a equipe, num fogão improvisado nas locações. Quando estávamos no nosso estúdio, pedíamos emprestado pratos e talheres para um bar que ficava ao lado. Vieram também o Eliseu Fernandes, fotógrafo, Mazinha (Osvaldo Leonel), eletricista, Luizinho, montador e amigos da Maristela que já trabalhavam conosco na montagem dos comerciais.
Eu já havia escrito a história e depois fiz um roteiro do primeiro episódio, o piloto, que seria, definitivamente, O Diamante gran mogol. Para mim não foi difícil fazer isso, pois eu sempre tive facilidade em escrever.
Conversei com o pessoal da polícia e pedi quatro guardas permanentes para ficarem direto comigo durante as filmagens. Precisávamos da orientação deles nas estradas, às vezes nos distraíamos e invadíamos a estrada, um perigo, esse pessoal da polícia era absolutamente necessário, eles tomavam conta da gente, eles ficavam desviando o trânsito onde estávamos filmando.
Eram eles: Benedito Lupi, Mistrenel, Almir Castrioto, Álvaro Motta (o único vivo, encontrei com ele recentemente). Esses quatro começaram comigo, me ajudaram muito e eu gostava de todos, mas confesso que Lupi era o meu preferido, um grande cara, bebia demais, morreu cedo, mas era um grande cara, deixou saudades.