Por Ary Fernandes
“Quando eu era garoto, adorava os seriados que naquela época passavam nos cinemas e achava que fazia falta um herói brasileiro. Não entendia o porquê não haviam criado um herói nacional.
Com o passar dos anos, fui trabalhar como radialista, e por volta de 1.952, fui para Kino Filmes e Maristela. Fui levado por Alfredo Palácios, que era diretor de produção, e já me conhecia dos tempos de rádio.
Comecei trabalhando como assistente de produção em filmes como “O Canto do Mar” e depois “A Mulher de Verdade”, de Cavalcanti; logo me tornei assistente de direção de Carlos Hugo Christensen em “Mãos Sangrentas” e “Leonora dos Sete Mares”.
Como já disse, sentia falta de um herói genuinamente brasileiro e como sempre viajava pelas estradas devido às filmagens, e já mantinha um contato com os Policiais Rodoviários, surgiu-me a ideia de criar um herói relacionado com as coisas que eu gostava e admirava.
Na época também, a corporação da Polícia Rodoviária era bem pequena e sempre bem quista pelo público.
Essa junção de idéias me agradava.
Imaginei-o então, na figura simpática de um Policial Rodoviário cujo intuito não era somente autuar os motoristas e sim um amigo das estradas a quem pudéssemos recorrer.
Foi nesta hora, em meio a uma fusão de idéias, que eu criei o “VIGILANTE RODOVIÁRIO®” cujo primeiro título do piloto da série era “O Patrulheiro”.
Quando já havia rodado uns episódios, ficamos sabendo que iria entrar no ar com o patrocínio do concorrente uma série estrangeira com o mesmo nome.
Nesse momento, sai pensativo da reunião a qual me encontrava e comecei a relacionar as palavras. Ocorreu-me então que Patrulheiro deve estar sempre alerta, “Vigilante”.
Soôu-me harmoniosa a concordância dessas palavras:
“VIGILANTE RODOVIÁRIO®”!!!
Na época, quando disse qual seria o novo nome, muitos da equipe não gostaram, pois achavam Patrulheiro mais simpático aos ouvidos.
Não foi nada fácil para mim que além de diretor da série, também era o “pai” do personagem, ou seja, tinha em mente algo implausível aos olhos alheios; assim somente eu visualizava as aventuras dos personagens dando suas devidas características.
Quero que fique bem claro aqui para todos os fãs e internautas que sempre me procuram que a canção tema de abertura da série a qual intitulei de “CANÇÃO O VIGILANTE RODOVIÁRIO®”, também foi composta por mim.
Escrevi vários episódios quando retornava das filmagens; entrava noite a fora com minha máquina de escrever. Dormia um pouco, e logo já amanhecia o dia para começar tudo de novo.
Quem compartilhou comigo e vivenciou a minha luta, foi o meu saudoso amigo Alfredo Palácios, que acreditou na minha ideia e juntou-se a mim nesses 38 episódios em que foram rodados para o seriado como produtor técnico.
O piloto da série foi concebido através de recursos próprios.
Não que estivesse sobrando dinheiro, muito pelo contrário, pois também vivia uma fase nova em minha vida pessoal; casado e com um casal de filhos muito pequenos para criar.
Ary, Carlos e Lobo no Comando da Polícia Rodoviária
O que eu tinha de sobra eram ideias novas, personagens; uma vontade alucinante de realizar meus sonhos.
Andei muito com o mesmo terno cerzido nas calças (o qual guardo até hoje como tributo), batendo em várias empresas a fim de mostrar o “meu ovo de Colombo”.
Até que chegou o dia que jamais esquecerei em toda minha vida.
Nunca deixei e jamais deixarei de mencionar o nome do suíço Gilberto Valtério. Figura maravilhosa, a quem sempre serei grato.
Ocupava um alto cargo de diretor executivo na multinacional Nestlé, que após assistir o piloto da série, deu-me ouvidos e créditos, abrindo assim as portas para a concretização do meu tão almejado sonho: “dar vida ao primeiro herói brasileiro”.
E foi através dele, que conseguimos o patrocínio financeiro da Nestlé para custear a produção do seriado e abrir fronteiras para uma nova área de trabalho; abrindo espaços para técnicos e dando oportunidades a novos talentos da dramaturgia que surgiram junto com a série.
Alguns desses nomes figuram como personalidades do meio artístico como: Stênio Garcia, Rosa Maria Murtinho, Fúlvio Stefanini, Ary Fontoura, Juca Chaves, Tony Campelo, Luís Guilherme, Ary Toledo e outros.
Quando o piloto ficou pronto, todos queriam ver, pois achavam pretensiosa demais a empreitada de um jovem em fazer a primeira série para a televisão brasileira.
Achavam-me um sonhador, idealista, porquê no mundo só havia 3 países que produziam filmes em séries; na América Latina nenhum País havia ainda se aventurado.
Eu era um jovem com muita vontade de ver meu sonho realizado. Assim que acabou a exibição do piloto, todos ficaram abismados com a qualidade do filme. O meu sonho tomava todo o meu tempo, pouco ficava com minha família.
Contudo, foi dentro de casa que abriram os meus olhos.
Na ânsia de procurar o ator ideal, testei vários candidatos que deveriam dar vida ao meu personagem. Ninguém se encaixava com os meus padrões, com aquilo que só eu imaginava.
Faltava algo que eu não encontrava.
Cansado, cheguei em casa e disse a minha esposa Ignez:
‘Chega! Não consigo vê-lo em ninguém!’
Foi nessa hora que minha esposa veio com a sugestão:
‘Você já testou o Carlinhos?!’
Descartei a ideia na hora, pois o tal Carlinhos (é assim que o chamamos carinhosamente em nossa casa), era nada mais e nada menos que o Carlos Miranda. Ele já estava trabalhando comigo neste projeto, pois ocupava um cargo técnico na produção do filme.
Confesso que jamais o olhava como ator.
Contudo, no dia seguinte, novamente a procura daquilo que não via, sentei e olhei para o Carlinhos.
Pedi para ele provar o fardamento completo o qual dispunha.
Embora as roupas tenham ficado um pouco justas devido ao seu grande porte físico e calçando um par de botas um número menor do que o seu, quando bati os olhos nele, disse-lhe:
‘Acabo de encontrar o VIGILANTE RODOVIÁRIO®.” Surpreso ainda ele me perguntou:’
‘É?! ‘Onde?!’
Olhei para ele e disse-lhe:
‘É você.’
Deixei-o surpreso, pois nem ele contava com isso.
Foram 18 meses que vivi mergulhado nas filmagens.
Quanto ao cachorro, sempre fui apaixonado por cães. Animal dócil, e melhor amigo do homem. E melhor amigo do Vigilante também! Como não era permitido cão na polícia, precisei criar uma maneira de incorporá-lo à série.
Quanto ao Lobo, esse não era seu verdadeiro nome. Ele chamava-se King e pertencia a uma pessoa de nome Luís. Como necessitava de um cão, ele me ofereceu o seu cachorro, pois era dócil e obedecia à uns dois comandos que ele havia ensinado.
Realmente, era um lindo cão policial, ou seja, não era Pastor Alemão raça pura. Muito dócil e inteligente. Ensinei-lhe todos comandos para adestrá-lo e ele assimilava com facilidade. Houve uma afeição muito grande do cão não só por mim como por todos da minha família. Ele ficava em minha casa, pois estava sempre em cena. Nos apegamos muito a ele e vice-versa.
Com o sucesso da série, ele viajava muito comigo e a equipe. Ficava hospedado em hotéis junto comigo no mesmo quarto, por ocasião dos compromissos assumidos e era muito bem recebido. Esse meu amigo virou celebridade!
Durante alguns anos, o Lobo continuou comigo em minha casa para apresentações, assim como o Carlos manteve esse mesmo contrato de compromisso.
Cabe sempre deixar bem claro que, infelizmente, o Lobo nunca nos pertenceu. Bem que eu quis comprá-lo, porém o Luís não queria vendê-lo, pois havia o interesse financeiro no animal.
Com término das filmagens, fim dos seus compromissos, o Luís veio buscá-lo. Novamente ofereci uma importante quantia em dinheiro pelo animal. Contudo, e ele não aceitou. Passaram-se 2 dias, e o Lobo voltou sozinho para minha casa.
Havia fugido e farejado o caminho. Ficou conosco por mais 3 dias. Foram mais ou menos 5 anos de convivência comigo e com minha família.
Ele já havia se afeiçoado a nós pelos anos que passamos juntos. A essa altura ele já estava velhinho. Mais ou menos com 9 ou 10 anos de idade. Tornei a propor uma quantia ainda maior em dinheiro para que ele me vendesse o cachorro.
Novamente ele tornou a não aceitar. Levou-o de volta para sua casa. Porém, na segunda vez que ele fugiu e tentou voltar para minha casa, aconteceu…
Com a série recebi vários prêmios, porém o de maior expressão para mim foi o Troféu “Roquete Pinto”, que ocupa lugar de destaque em minha casa e na minha vida.
Hoje, fico feliz em ver o sucesso contínuo do “VIGILANTE RODOVIÁRIO®”.
O público ainda se lembra com carinho desta série a qual tanto meu orgulho de ter criado e feito.
Muitos fãs me procuram até hoje para saber como tudo começou.
Sou grato a todos e sinto-me responsável por ter influenciado a vida de muitas crianças e jovens daquela época.
Contribuí com uma ideia positiva, o que me deixa profundamente orgulhoso.
O que me entristece é ver que com passar dos anos muitas histórias foram contadas e tomadas como verídicas. Muitas não correspondem aos fatos. Boatos inventados sobre o que acontecia nos bastidores, principalmente quanto à produção. Por exemplo, a equipe de produção NUNCA passou fome. NUNCA deixei passar os problemas de questões financeiras que sofri para produzir a série.
NUNCA fiquei devendo nada a ninguém, tive que fazer uma adaptação para o cinema para recuperar algum dinheiro que investi. Todo mundo era assalariado. Ninguém sofreu mais do que eu e o Palácios.
Sei que tem pessoas que nem eram nossos amigos e hoje falam como se tivéssemos dependido deles para produzir o “VIGILANTE RODOVIÁRIO®” .
Até fatos sobre o Lobo foram deturpados. Ele tinha um dono e infelizmente acabou atropelado como relatei acima.
Outro fato que me aborrece muito são os inúmeros “pais” da minha criação.
Ninguém quer assumir um filho bastardo, todos querem o bonito e inteligente mesmo que seja dos outros.
Mas se minha cria continua fazendo sucesso, foi porque tive colaboração daqueles que acreditavam em mim, me deram a mão e patrocinaram com o que eu mais precisava: ‘dinheiro’.
Isso eu devo ao Gilberto Valtério e a Nestlé. Enquanto outros zombavam e faziam chacotas dos que se uniram a mim antes do sucesso.
Esse é o preço da fama!
Hoje todos conhecem o resultado da minha ousadia em acreditar em meus sonhos.
Hoje todos o conhecem com o nome de “VIGILANTE RODOVIÁRIO®”.